NÚCLEO DE PESQUISA DA PRESENÇA - NPP
ESCOLA SUPERIOR DE ARTES CÉLIA HELENA - ESCH
Núcleo de Pesquisa da Presença 2022/23
um coletivo de pessoas artistas pesquisadoras
Somos uma família estranha. Neste país onde as coisas se fazem por obrigação ou fanfarronada, gostamos das ocupações livres, das tarefas sem importância, dos simulacros que de nada adiantam. ………………………………………………………………………………………………
Fazemos coisas, mas contar é difícil porque falta o mais importante, a ansiedade e a expectativa de estar fazendo coisas, as surpresas tão mais importantes que os resultados, os fracassos em que toda família cai no chão feito um castelo de cartas e durante dias e dias não se escuta mais do que lamentações e gargalhadas. …………………………………………………………………………………………………
Somos muitos a ter ideias e vontade de levá-las à prática. Simulacros em Histórias de Cronópios e Famas Júlio Cortázar
Sempre que penso no nosso núcleo penso em Cortázar e na dificuldade imensa que sinto em contar como somos e tudo o que fazemos. E quando me perguntam sobre essa pesquisa em grupo normalmente me fogem as palavras e meu pensamento percorre o rosto de cada um/uma de vocês, momentos das nossas conversas, nossas risadas e assombros, nossas dúvidas. E assim como é difícil explicar coisas muito simples como o frio ou a chegada do verão, essas explicações também me paralisam.
Como contar quem somos, como somos e como nos unimos neste lugar atemporal ao qual pertencemos? O núcleo funciona como um lugar inventado mas, nem por isso menos real, um lugar onde o imaginado por um grupo de pessoas torna-se fato concreto contado e compartilhado, motivo de reflexão, projetos e estudos que seguem, cada qual na direção desejada por seu sonhador.
Sim, somos uma família estranha porque alguns de nós, até o momento, nunca se viram e, na verdade, poucos se conheceram presencialmente, nesse núcleo da presença que, forçado a tomar novo corpo no isolamento pandêmico, sobrevive forte e crescendo em muitas e diferentes direções. As coisas que fazemos e as relações estabelecidas ocorrem no território dos afetos, numa cumplicidade de mútuo e vital compartilhamento, são, portanto, tesouros imateriais.
Em tempos áridos buscamos água abaixo da superfície da terra, em tempos estéreis plantamos sementes para o futuro, em tempos tristes nos consolamos mutuamente, em tempos felizes de descobertas esbanjamos alegria.
No momento somos dezoito pessoas artistas pesquisadoras e desejo que esse texto seja escrito por todas nós, à muitas mãos, pensamentos e corações. Por que é assim que normalmente funcionamos com essa sensação de estarmos juntas, mesmo que sempre separadas.
Começo a escrever sem saber como dar conta de tanto. Sim, o núcleo é muito. Porque agrega pessoas, suas vidas, seus sonhos, seus amores, seu trabalho, suas investigações e criações. Tudo acontecendo em meio ao caos da realidade vivida, em meio às necessidades dos empregos para garantir sobrevivência, para continuar lutando e seguindo sem perder a direção dos sonhos, tampouco a ternura.
No núcleo, esse lugar que nos acolhe, há possibilidade da divisão que sempre termina sendo muito mais que uma soma, da escuta que tantas vezes toma o lugar da fala, do conhecimento de outras maneiras de seguir vivendo a vida que é dada à todas, todos e todes.
O NPP é diverso, não há uma só pesquisa igual à outra pois a singularidade é nosso tesouro a ser preservado em meio ao sentido coletivo de nossas ações; somos pessoas singulares, de estradas e histórias de vida e sonhos singulares. É o que nos aproxima. Toda diferença é alegria, fascínio e felicidade de existir.
Estamos, nesse momento, construindo esse texto em estreita parceria. Cada pessoa a partir de si, de sua história, seus desejos, suas realizações, sua vida, sua casa. Só saber isso me basta quando penso em nós que, com o fim do isolamento e o retorno às atividades presenciais, mantemo-nos ainda unidos por um fio de whatsapp, nosso cordão umbilical.
Preciso falar então do meu lugar de coordenação desse imenso trabalho coletivo que não há como medir quantitativamente. Penso nessa função que aglutina ideias e pessoas artistas em processo de criação contínuo como a própria vida diária é. O NPP nunca para e, mesmo quando passa algum tempo em que ninguém surja e poste algo em forma de informação, pergunta ou contação de uma história que acaba de lembrar, sei que seguimos. Seguimos sempre como se nos comunicássemos de modos mágicos e telepáticos; de fato isso, às vezes acontece .
O NPP, esse espaço imaterial de pesquisas diversas, agrega, no momento, dezoito pessoas e cada uma conduz suas investigações-solo e as divide conosco quando deseja. Esse é um espaço de conversa, troca e perguntas.
Enquanto caminhava hoje pela manhã tive uma lembrança em forma de imagem: meu primeiro filho, com seus olhos muito abertos, pela primeira vez, num gesto claramente intencional tocou num brinquedo pendurado no berço. Era uma espécie de sino e tocou baixinho.
Lembrei fascinada de como ele, tão pequeno ainda, repetiu muitas vezes o mesmo gesto de tocar com a ponta do dedo o objeto e ouvir o som produzido, acompanhando com o olhar o movimento produzido por sua ação. Seu rosto estava muito expressivo e parecia passear por uma infinidade de questões; lembro bem que ele franzia a testa repetidas vezes buscando, talvez, compreender. Depois começou a olhar para a própria mão observando como movia os dedos juntos ou separados. Algo nele de muito grande acontecia naquele momento e o fez permanecer nessas ações por muito tempo. Agia e contemplava o resultado das ações. E o pensamento se desenvolvia. E as ações se sucediam. E novamente o pensamento constatava e registrava, de alguma maneira. Ele era um pequeno ser em pesquisa, pesquisa essa que se prolongaria por toda sua vida. E era lindo de acompanhar.
O que quero dizer é que mesmo uma pequeníssima pessoa desde muito cedo traz essa curiosidade ancestral que norteia toda a vida do pesquisador, um desejo de compreender a si mesmo e ao outro (sendo o outro todas as coisas e seres do mundo o que, convenhamos, não é nada pouco). Frederico, meu primeiro filho tornou-se, ao nascer, uma pessoa pesquisadora ávida de descobertas, de descobrir-se e de conhecer. Como meus outros filhos, como todas as crianças dessa Terra.
A primavera finalmente chegou na árvore próxima da minha janela.
Olhei agora e lá está ela inteiramente verde, com as flores principiando a apontar suas hastes para o céu. Eu sabia que isso aconteceria em algum momento e não tinha dúvida alguma quando a olhava a cada dia do inverno: só galhos nus, mais nada; com o correr dos dias e noites surgiram pequeninos brotos que permaneceram quase invisíveis ao olhar por algum tempo ...de repente… pronto! Com a chuva dessa madrugada ela floresceu inteiramente, magicamente...naturalmente.
Em todo processo de criação que acompanho (e me incluo neles também) algo vai sendo gerado por tempo mais ou menos determinado, por tempo impossível de controlar e determinar. Não é bom nem possível apressar o rio1 ele tem seu curso ligado às chuvas ou ao frio, às curvas que percorreu antes de chegar aqui e a todo um trajeto de encontro com pedras do caminho e barrancos imprevistos.
Talvez esse rio tenha sido cachoeira, talvez tenha secado em algum tórrido verão ou tenha sofrido com a força de intempéries que não quer lembrar nem narrar. Talvez ele nem se recorde dos lugares pelos quais passou e que determinaram a velocidade maior ou menor de suas águas.
O material da criação é, para cada pessoa do grupo, algo silencioso que a acompanha mesmo quando não se dá conta, mesmo quando não sabe, quando está trabalhando em outras tarefas ou dormindo. Está ali sendo transformado no silêncio das horas, dos dias, dos anos. Não acredito que algo se perca, acredito sim que cada coisa tenha seu momento, sua hora de nascer na palavra, no canto, na cena, na dança e até mesmo numa reflexão mais acadêmica. Como esse texto que estou escrevendo hoje.
Tudo se presta ao ato criador e tudo tem seu tempo, desenvolve-se, modifica-se no tempo. Torna-se outra coisa já pura poesia e forma, como um filho: a tristeza, o cansaço, a alegria, as muitas surpresas e dores, as histórias, tudo que a vida nos reserva, a cada um/uma de nós a seu modo e maneira; os dias azuis e os nublados, o suor e o tremor, a plenitude e a angústia.
O nosso núcleo abriga uma grande curiosidade amorosa por parte de todes nós. Curiosidade que acolhe todas e tantas descobertas que o tecido dessa nossa vida sobre a terra oculta e, ao mesmo tempo, pede para que sejam reveladas.
1. Pertencer
Jean Carlos Gonçalves
De onde sou? Em quais lugares sou bem-vindo? Quem me quer por perto? Bem-me-quer/mal-me-quer. Onde posso ser eu nessa malha discursiva entre realidade e ficção que me constitui? Nunca sei. Caminhante sou. Tentando pertencer aqui e acolá. Às vezes desisto, me afasto, fico em silêncio, pauso. Fujo. Mas tem terras das quais não consigo mais me ausentar. Sinto que é ali que me gostam. E então, sinto que gosto de pertencer a elas. Terras com presença de gente fragilizada, contemplativa, lutadora e que se ajuda. Escuta como alívio imediato. É onde prefiro estar. Um homem que um dia foi um menino crente pode ter algo bom a dizer? Não sei. Nessa busca encontrei Sonia e seu maravilhoso oásis que é o Núcleo de Pesquisa da Presença, onde posso continuar a investir nessa trama de coisas que amo: Bakhtin, Corpo, Discurso Teatral e Autoficção. Pertencer, assim, vira verbo fácil, descomplicado e leve. Viva o NPP!❤️
10/10/2022
SOBRE JEAN CARLOS GONÇALVES
Blumenauense morando em Curitiba. Não sei minha data de nascimento e não possuo qualquer referência sobre meu sangue (Sei apenas que sou celíaco – por favor, não me ofereça glúten). Não posso fazer meu mapa astral, porque desconheço o meu signo. Fui criado em igreja pentecostal e tenho uma cruz vazia tatuada no pulso. Amo a musicalidade de Amy Grant. Sou casado com Michelle e temos dois filhos, a Antonia e o Isaac, ou seja, vivo desestabilizado de amor todos os dias. Caos tenho de sobra, quietude é meu desejo. Não consigo viver sem correr #runningforever. Gosto de viver no modo analógico, mas me dou bem com o digital. Escrevo para voar.
2. Dançando a própria vida
Thayná Caetano
Atuava. Desenhava. Compunha. Cantava. Escrevia. Dançava. Tudo assim, no passado, levado feito enxurrada por dois anos de pandemia. Dois anos em casa. Dois anos quieta. Fui me perdendo lá dentro de mim. E nem sabia que era vazio assim. Hoje, no meio da rotina engessada, ganhei um livro que me coloriu. Parece que reaprendi a respirar. Chorei compulsivamente e me transbordei, transpassando arte. Me senti pronta para começar no agora. Hoje, eu pesquiso os post its que tenho usado pra organizar a rotina caótica. Pesquiso a arte ressurgindo nos poros, nas curvas, nos risos. Hoje me pesquiso enquanto artista, no trabalho "Lembrete: Não Esquecer de Mim".
SOBRE THAYNÁ CAETANO
Thayná Caetano é bacharel em Teatro, e cursa a licenciatura em artes visuais. Multiartista, ama todas as vertentes que a arte traz, mas em 2018 apaixonou-se pela dança. Hoje oferece aulas de teatro e dança para jovens periféricos, e trabalha na escrita de dois livros, pesquisando o lugar da arte preta e a poética presente no cotidiano.
3. Buracos e futuros
Giovana Carneiro
Existem buracos dentro da gente. E de alguma forma a gente tenta preenchê-los com alguma massa, dar um ponto ou apenas ignorá-los, pra ver se eles se fecham sozinhos. Dentre as tantas conversas sobre guerra, luta ou qualquer outro nome para (re)existência, fico aqui pensando na poesia que se encontra numa revolução diária, das conversas que caminham em direção a um futuro. Um futuro que nunca chega, mas está sempre ali à frente, e cada vez que damos um passo, ele dá dois. Buracos e futuros que nos possuem e nos enfrentam de peito aberto durante os causos do cotidiano. "Às terças e quintas fazemos" nasce de um grito, um socorro ou uma prece. Algo que remete a um procurar por algo que às vezes nem a gente sabe onde está e porque está. Das loucuras de estar vivo ao desespero de respirar, creio que um processo de criação perpassa por tudo isso até chegar em um momento de excitação de uma finalização que na verdade nunca vem, assim como o futuro. Talvez a busca por ele, o futuro, assim como a partida da elaboração de uma cena, seja a grande sacada da caminhada: tudo, e talvez só, o que está no entre é o que me arrepia. O entre. Assim como a luta. Assim como o teatro.
SOBRE GIOVANA CARNEIRO
Giovana Presença Da Ausência: Giovana Carneiro é atriz e jovem pesquisadora, bacharel em artes cênicas pela Escola de Artes Célia Helena. Atua também como produtora cultural. Teve seu primeiro projeto autoral contemplado pelo ProAc 2019. Atualmente ministra aulas de teatro na ONG Afago para jovens e crianças de baixa renda. Iniciou seus estudos no Núcleo de Artes Cênicas do SESI em São José dos Campos. Fez parte do elenco de peças como "A Receita" e "Vida Severina" na direção de Roberval Rodolfo, "Pororoca" na direção de Marco Antonio Rodrigues, "Revolução na América do Sul: E agora José?" com direção de Bete Dorgam entre outros. Tem interesse na criação cênica como objeto revolucionário e poético e pesquisa a corporalidade cênica do ator.
4. Um Corpo Palavra – antes que se encerre o dia
Airen Wormhoudt
Torre Eiffel numa escala corporal em inclinação lateral simples para a esquerda. Imponência. Potência. Do meu pai, herdei a postura. Meu corpo potente que se desloca em seu eixo e se alonga firmemente. E então, sou acometida por saudade branda. Colapso, que tem origem em meu centro, como se fosse sugada pelas minhas próprias vísceras. Me encolho. Me encolho porque sei que ao me virar, tudo há de ser diferente. Reestabeleço minhas vértebras e retorno ao meu próprio eixo. Os calcanhares que tocam gentilmente o chão, respondendo obedientemente às leis da gravidade. E então, o caminho. Inicialmente, os braços em ponto fixo se tornam asas. E então, caminho. Um passo. Depois outro. E depois mais outro. Os braços ondulam atrás do meu corpo a cada passada, como se ajudassem no deslocamento, reverberando ondas pelo espaço. E está ali. Cadeira ausente. Que eu olho, sem olhar. Que eu toco, após pirueta das mãos gentis no ar. Eu toco no espaldar. E ali, a ausência concreta talhada em madeira. Eu fechei meus olhos. Trancei meus cabelos, fechei meus olhos e senti o conforto de ser somente um corpo. Um corpo que carrega uma bagagem em suas linhas, em seus eixos. Mas que não a personaliza com a alma que lhe escapa pelos olhos ou com a voz que lhe denuncia a identidade ou embarga seus humores. Somente um corpo que carrega uma bagagem. Existe uma guerra lá fora. E eu fecho meus olhos porque não quero perder mais do que já nos foi tirado. Então meus olhos gritam por trás das pálpebras e está tudo bem. Não há nada ali que possa me ser tirado. Etienne Decroux dizia que quando um corpo se levanta, ele leva consigo toda a humanidade. Eu aceito. Recolho a minha própria sem deixá-la transbordar dos olhos e sigo. Vou para a guerra.
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Este texto foi o gatilho inicial para a minha pesquisa de Mestrado, concluído em 2022 sob o olhar gentil da incrível Bete Dorgam e incentivado pela amorosa Sonia Machado de Azevedo no NPP. A Mímica Total, metodologia desenvolvida pelo meu Mestre Luis Louis, foi o instrumento norteador que transformou meu Corpo em Palavras, resultando num site chamado https://corpopalavra.com. Lá, transbordei meus afetos e minhas ausências, enterrei meus pés na areia e deixei o mar sussurrar baixinho todos os meus ciclos de criação. Lá, compartilhei meu tesouro mais precioso: minhas conversas e elaborações com os Mestres do Corpo (e da alma), disseminando suas formas em páginas virtuais que brindam o artista-criador e o colocam na posição central da criação. Lá, mergulhamos livres. Boas vindas a você, que lá chegar e resolver ficar um pouco comigo.
SOBRE AIREN WORMHOUDT
Atriz, Mímica, Roteirista e Mestre em Artes da Cena pelo Célia Helena Centro de Artes e Educação. Paralelamente à carreira artística, graduou-se em Psicologia especializando-se em Arte Terapia. Durante oito anos fixou residência em Curitiba, onde desenvolveu trabalhos junto à Cia. Ganesh de Teatro como atriz, dramaturga e assistente de direção, sendo a utilização de espaços alternativos na criação teatral a fonte principal de pesquisa. Também ministrou aulas de Interpretação, Psicologia do Teatro e Expressão Corporal na Cena Hum Academia de Artes Cênicas, tornando-se Coordenadora na referida instituição, sendo responsável pela implementação do curso Técnico de Teatro e seu reconhecimento junto à Secretaria de Educação. De volta à São Paulo, especializou-se em Teatro Físico - Mímica Total, dando início ao processo de pesquisa unindo a mímica e a dramaturgia como instrumento na formação de plateia e democratização artística. Atualmente realiza workshops e consultorias artísticas para coletivos de artes, bem como, escreve roteiros para audiovisual, sendo o último "Memórias" amplamente premiado no circuito dos festivais internacionais em 2018 e 2019 nas categorias de Melhor Atriz, Melhor Montagem, Melhor Fotografia, Melhor Roteiro e Melhor Filme. Em 2020 fundou a On-Line Art Centro de Criação e Desenvolvimento Pessoal Ltda., mergulhando no universo do empreendedorismo artístico, oferecendo consultorias para artistas quanto à criação de suas identidades artísticas no universo digital, branding, criação de social media e plataformas digitais para abrigar cursos, espetáculos e afins.
5. Vento no Corredor
Maria Mesquita
Quando um ciclo se encerra, é preciso deixar o nada varrer. Me dediquei ao Mestrado em Artes da Cena até dezembro de 2022. De lá para cá, estou observando pequenos movimentos, alguns para dentro, outros para fora, como os micro movimentos do corpo, como ar que entra e sai dos pulmões. Desses movimentos, um deles se destaca. A pequena maria quer sair do blog Corredor de Memórias e se apresentar como livro ilustrado. Ela quer contar para o mundo o que ela fez depois que viu que na casa da tia existia uma Claraboia. Já chamou uma amiga para começar a rabiscar. Outro movimento é a participação no projeto Prosa em Rede. A pesquisa em performance me levou a um grupo de educadores dispostos a discutir e exercitar as fronteiras entre artes, especificamente Fotografia e Teatro. No momento estou redigindo, elaborando programas de ações para o festival de finalização do projeto. De resto, estou aprendendo a deixar passar. Acumular muitas ideias, às vezes, pesa. Quero correr um pouco mais com o ar. Ventar, sabe?
SOBRE MARIA MESQUITA
Maria Mesquita é multiartista e no momento é pesquisadora de “agoras” e “nadas”. Se dedica a sua pesquisa Corredor de Memórias desde 2019, o que a levou a ser Mestre em Artes da Cena pela Escola Superior de Artes Célia Helena em 2022. O Corredor de Memórias pode ser encontrado em www.corredordememorias.art.
6. Um poema dia a dia
Luisa Borsari
Nas segundas tenho dançado com dois amores antigos da vida. Nos reunimos, queremos aprender mais a se locomover e mais e mais, e namorar com o chão, e transpassar o próprio peso, e entender todas as formas de se conectar possíveis e se divertir enquanto dançamos, como princípio, absolutamente. Essa pesquisa nasce como uma aula regular de dança contemporânea, mas duvidamos desses conceitos, formatos, hierarquias de todas as formas possíveis, duvidamos de qualquer certeza ou registro e o aprender se dá em atualização, sempre em descoberta, sempre em ação. Não sou mais capaz de assimilar diferença entre dança e gesto de amor.
Nas terças durmo durmo durmo como um rinoceronte, durmo para sonhar com um horizonte, durmo para recuperar o excesso de cansaço, o ócio escasso, a vida de estilhaço. Descobrindo-me proletária, lidando com a frieza da rotina automática, do trabalho robótico, do esforço remunerado, etc etc etc etc etc. Pela primeira vez na vida, trabalho mais do que danço, trabalho mais do que escrevo, trabalho mais do que crio. De vez em quando inda danço, nos vazios da loja, nos entremeios dos clientes.
Nas quartas de manhã um amor novo, dessas serenidades desenfreadas que a vida manda e emociona, um toque-carinho do qual nunca antes tinha vislumbrado, a poesia cruzamento do olho com a alma. Itamar me inunda, eu evaporo-condenso-chovo-choro, nós viajamos pelas ruas de mãos dadas em busca de experiências incríveis, nossa origem é o samba, nossa boca quase nunca cessa, nosso encontro me resplandece.
Nas quintas, a fusão do abismo com o caos, o profundo estorvo da performance me acompanha e tem me contado novidades sobre a atriz que sou, sobre os estados que meu corpo pode habitar, sobre a extravagante aparição do desejo em cena, sobre o prazer de se deliciar fazendo aquilo que se quer, sobre apelo, exagero, exposição, risco, vergonha, sobre o que é possível de se dizer, o que é importante dizer, o que eu não posso não dizer e o que eu nunca deveria ter dito. Vermelho o suor, um nada abissal.
Nas sextas mais performance e mais trabalho. É curioso o meu ímpeto de escritora, esse lero lero com a poesia que cultivo desde nova, essa sede de cheirar folhas de livro, esse desejo de contar histórias, rimar palavras, tecer mundinhos de mentira. Pois bem, o meu ofício de salário mínimo e carteira assinada do momento: vender livros. Trabalho em livraria, sorrio pra cliente, tento desvendar quais palavras aqueles olhos gostariam de se deparar com, arrumo estantes, faço pilhas esteticamente agradáveis, conto dinheiro, mexo em máquinas, escuto asneiras, vendo uma porção de coisas das quais nunca gostaria de vender. A estante de poesia e teatro são as menores, mais bagunçadas, espremidas, empoeiradas, escondidas da loja. Vendo livros, se devo vender alguma coisa para ganhar dinheiro que sejam livros, faturo em cima de histórias, me sustento em cima dos loucos que não aguentam suas ideias para si, converso com os loucos que estão desesperados atrás de estrofes para devorar.
Nos sábados a revolução. Há quase dois anos-trincheira componho o setor de arte e cultura do movimento dos trabalhadores sem teto: fazer poesia no barro, fazer ciranda na chuva, fazer grafite nos bueiros, fazer samba nas viaturas, dar aulas de dança para crianças sem sapato, entregar o máximo de comidas possíveis, construir o máximo de casas possíveis, panelas, bambus e lonas. É isso que fazemos incansavelmente para sanar aquilo que os gritos, discursos bonitos e bandeiras vermelhas que também erguemos, ainda não sanaram.
Aos domingos penso. Penso que quero muito viajar sabe assim, para longe assim, sozinha num barco, assim, encontrando pessoas coloridas cantando rituais nas ruas assim, descobrindo mais sobre o meu sangue latino e todos aqueles nordestinos com o meu sobrenome que vieram antes de mim, ser assim alguma coisa longe do bairro onde vivi a minha vida inteira, descobrir mais receitas naturais de comidas, medicinas, ecologias e terapias, ir de encontro às surpresas e desconhecidos, formada em alguma coisa no ano que vem, talvez, longe, distante, estrangeira, migrante.
O corpo me acompanha sempre. Saudável. Abençoa. Eu que tanto vivi-escrevi beira-morte, hoje vivo abastecida de pulsão para encontrar todos esses destinos e paixões e novidades e pesquisas que me transcendem. Privilégio viver vida boa assim. Pesquisa? Quero sempre. O anseio de descobrir não me abandona. Quero desvendar as injustiças do mundo, as razões do poema, todas as festas populares e manifestações artísticas coletivas, os 5 sentidos, o tempo, a imensidão. Espero em breve ancorar meu barco em uma nova pesquisa, algo emocionante como Maria, instigante como o que ainda está por vir. Engraçado que esse escrito-rotina, relato-diário, seja tão bagunçado. Navegantes, sigamos! Avante! É hora de me partir!
SOBRE LUISA BORSARI
Luisa Borsari é multiartista, poetisa e estudante do bacharelado em artes cênicas na Escola Superior de Artes Célia Helena. Pesquisadora do corpo no Núcleo de Pesquisa da Presença desde 2019. O seu maior trabalho foi como atriz, dramaturga e diretora no ato solo "Maria Sem Vergonha das Dores", fruto de uma pesquisa de Iniciação Científica orientada pela Sônia de Azevedo, onde estudou a poesia e a dança como ferramentas de cura. Este trabalho autobiográfico resultou em uma peça online composta por cenas ao vivo e seis ensaios em vídeo. Residente em São Paulo, sua experiência no audiovisual é com o cinema documental experimental, participando de alguns curta-metragens como atriz e dramaturga. Tem atuação política no setor de arte e cultura de um movimento social. Começou no teatro estudando na Oficina dos Menestréis de 2015 à 2017. Ano passado teve uma poesia publicada no livro "Sarau Brasil 2021: seleção poesia brasileira".
7. Imagéticas da Condição Humana - o mover entre Frida Kahlo e Kazuo Ohno
Maria Fernanda Suppo
Essa pesquisa teve seu início e desenvolvimento durante a pandemia de 2020/22 causada pelo Covid-19. O doloroso contexto global e o inevitável contato coletivo com a dor, a perda, a morte e o isolamento durante esse período instigou um questionamento acerca da existência, resistência, o que é ser e estar no mundo; e como seria possível olhar para questões tão naturais e complexas tais como a vida, a morte, o vazio e a transcendência, através de um olhar artístico referenciado por duas figuras que abordaram tais temáticas em suas vidas e obras: Frida Kahlo e Kazuo Ohno. Ambos tornam-se faróis, no que se diz respeito à caminhar por estados de emergência, e em meio à dor profunda, encontrar uma pulsão de vida, não como contradição ao sofrimento, mas através de sua integração. O termo "Imagética" (etimologia: Image(m) + ético) em definição refere-se àquilo que se consegue exprimir através de imagens, que se pode referir ao que contém imagens ou que demonstra imaginação. Nesta pesquisa, as imagéticas de Kahlo e Ohno, foram relacionadas através de suas temáticas comuns como: o contato profundo com o universo interno expresso no externo; o comum dialogo sobre temáticas da condição humana como a experiência da dualidade através do prazer e dor, vida e morte, intra-útero e vazio, luz e sombra. Ligaram-se também pela expressão artística como substrato para o próprio existir; como corpos que não são objetos, e sim sujeitos; pela construção de um corpo virtuoso internamente (concentração); e pela não busca pela virtuosidade, e sim expressividade. Essa pesquisa não pretende encontrar respostas. Como diz minha amada mestra e orientadora Sonia Machado de Azevedo "é apenas um simples legado de tempos duros quando a vida precisou ser revisitada dia a dia (como foram longos alguns dias…)”. É uma reflexão observada através da relação tecida entre os elementos norteadores, e da dualidade presente nas manifestações orgânicas, psicológicas e sociais do ser humano e na dimensão inorgânica da natureza.
“Toda dor pode ser superada se sobre ela puder ser contada uma história” - Hannah Arendt
SOBRE MARIA FERNANDA SUPPO
Aprendiz do corpo, e criadora de espaços. Entusiasta do movimento, nos caminhos da yoga, da dança e da performance, graduou-se na Escola Superior de Artes Célia Helena, integrando o Núcleo de Pesquisa da Presença guiado por Sônia Machado de Azevedo, desenvolvendo e partilhando pesquisas em Corpo.
8. Onde irei desaguar?
Letícia Progenio
Costumo falar que encontro casas em pessoas, e com a Soninha e o Núcleo da presença a sensação que fica é essa. Poder escutar tantos sonhos em forma de pesquisas, tantos afetos e esperanças colocadas em palavras e compartilhadas, realmente fez da minha própria pesquisa pororoca, encontro estrondoso de rio com oceano. Os olhares, mesmo em pequenas telas, se fizeram vivos. Hoje me pergunto que novas casas alheias irei morar temporalmente? Estou vivendo em algumas alugadas. Me alimentando de novos questionamentos e motivações. Onde irei desaguar? E mais importante, por quais córregos? Penso nos devaneios que buscar minhas raízes me gerou. Minhas raízes território, minhas raízes vivências, minhas raízes ancestrais. Encontrei em mim esse corpo travessia, que no momento se encontra em ponte maleável de despedidas constantes. Pronta pra alçar mais um voo.
SOBRE LETÍCIA PROGENIO
Atriz, bailarina e pesquisadora paraense, reside em São Paulo desde 2020. Com bacharelado em teatro pela ESCH - Escola Superior de Artes Célia Helena integra o Núcleo de Pesquisa da Presença guiado por Sônia Machado de Azevedo, explorando e compartilhando pesquisas em Corpo. Integrou por sete anos a companhia de dança contemporânea Agesandro Rêgo em Macapá-AP, cidade em que viveu a maior parte da vida. Iniciou seus trabalhos no teatro no experimento cênico A Roupa que Veste o Homem dirigido por Jones Barsou e desde de então realizou diversas peças e trabalhos artísticos voltados principalmente para a dança-teatro. Foi bolsista no programa de Iniciação Científica do Célia Helena e suas pesquisas atualmente estão voltadas para exploração das potências do corpo através de um mergulho ancestral, ligado às raízes de uma artista Amazônida.
9. Qual o papel da Educação?
Pedro Ziroldo
De oposições e inconstâncias flui vivente o rio. As águas correntes aceitam vir a ser, estar, ser processo, transformação, movimento, contradição. Há força em suas águas, há luta em suas forças. Águas que correm, que saciam, que devastam, que alimentam e esculpem novas formas em rochas tão antigas. Talvez seja essa a poesia contada pelo rio, talvez o caminho para a Educação seja, ser rio.
Ao nascer, o rio parece, simultaneamente, ter intenção ao movimento e ao encontro. Suas águas desejam correr até outros rios, que correrão até outros rios e chegarão ao mar. No caminho, transformarão as paisagens e serão transformadas por elas. A vida do rio será sempre no presente, com intenção de seguir e, com a força dos seus trajetos.
A cor, os vestígios, o volume, o ritmo, e as vidas no rio contarão por onde, ele passou, por isso, nunca falará sozinho. Suas águas, ganharão novos sentidos a cada movimento e a cada novo encontro. Digamos que o corpo seja o rio, e vive a mesma intenção de se movimentar e encontrar. Nessa teatralidade, qual o papel da Educação?
SOBRE PEDRO ZIROLDO
Fui uma criança arteira e o meu lugar preferido eram os ribeirões próximos de casa (aqui não é difícil de encontrar um fio d'água correndo entre as terras). Foram nessas águas o primeiro encontro com o movimento.
Há um rio que me atravessa, por isso, escolho me apresentar assim:
Eita, menino levado!
Tem casa não?
Que dança é essa feita da chuva,
Poesia escorrida do vento,
Música com cheiro de terra,
E gestos nascidos do tempo?
Eita, menino teimoso!
Tem casa não?
Que jeitos são esses de navegar sobre o céu,
Boiar sobre os medos,
Correr nas cascatas,
Nadar nos segredos?
Eita, menino das dores!
Tem casa não?
Que flores são essas na sua cabeça,
Olhos e ouvidos na mão,
Boca e nariz em seus pés,
E pele como coração?
Eita, menino das águas!
Tem casa não?
Tenho não, senhor
Hoje eu rio, mar, oceano!”
http://lattes.cnpq.br/5950790749430367
10.Vagalumes no breu
Yara LO Martins
Vagalume... Estrela no céu. Deitada na areia da praia, olhava o céu por um tempo não medido, literalmente enterrada na areia rsrs ...ah, a poesia na juventude... Sou da praia. Hoje, olhando minha mãe com seus 88 anos na aula de hidroterapia fazendo valer cada tempo seu, a música tocando ao fundo, a comunhão do riso daquele pequeno grupo na piscina, corpos que cismam em querer não limitar-se ao tempo, ah a poesia na maturidade... Emociono-me e ali vejo o vagalume. O que pulsa e me move se traduz em imagem. Atuo há trinta anos com estímulos para criação e vivência artística, e nos últimos três anos especificamente com o grupo remanescente da turma de pesquisa e múltiplas linguagens*. Sobrevivemos à pandemia explorando “O silêncio, onde mora o barulho” e ao “Ensaio, sobre barulhos internos e externos”. Temas de seminários cênicos que inspiram agora nosso próximo trabalho que trata da Ilusão. A ilusão que permitimos nos aprisionar. Esse projeto se apoia em dois pilares: O Mito da Caverna, de Platão e Ospedale della Pietá. A imagem como síntese de uma ideia é objeto de reflexão e também de conversa sensorial. Os seminários são instrumentos para que esses criadores se apropriem da sua forma expressiva. Servem-se do universo das artes plásticas, de autores, de épocas como embasamento estético. Não são atores profissionais. Unem-se pelo estímulo da pesquisa, da criação e pelo prazer de se expressar, do conhecimento e de se perceber nisso tudo. Vejo serem vagalumes em suas vidas, em suas comunidades. Insistimos em “ser” vagalumes. Vagalumes no breu.
*Turma de Múltiplas Linguagens do Núcleo de Artes Cênicas do SESI Santos, encerrou as atividades em dezembro de 2019.
SOBRE YARA LO MARTINS
Yara LO Martins, artista, educadora,ou melhor, estimuladora no caminho da arte de criar. Pós graduada em Arte, Gestão Cultural e Interpretação da Língua Brasileira de Sinais - Libras (estudando muito ainda) Graduada em Artes Cênicas e Letras. Fui orientadora do Núcleo de Artes Cênicas do SESI de Santos, trabalhando também na gestão e produção de projetos culturais de 1993 a 2019. O curso de teatro atendia desde os 8 anos de idade. E por quase 10 anos atendeu a um grupo de pessoas com comprometimento físico e mental, uma parceria com a escola Anahy Navarro, de Praia Grande. Atualmente com o grupo Palco 7 de pesquisa e vivências artísticas. Pertenceram ao grupo de Pesquisa e Múltiplas Linguagens do Nac. Não são atores... São da arte, da pesquisa... Trilhamos pelas imagens, pelos estímulos que nos levam à reflexão interna, das comunidades e da sociedade.
11.Entre dois núcleos
Cláudia Schurmann
Me formei na Licenciatura Plena em Educação Artística na FAAP, SP em 1982. Dei aulas na rede pública, e particular. Trabalhei na Secretaria do Menor e na Secretaria da Educação do estado de São Paulo.
Entrei no SESI em 1993 quando conheci a Sonia, e uma porta enorme abriu para um imenso e fértil jardim de flores, e permaneci trabalhando como Orientadora de Artes Cênicas até início de 2016 quando me desliguei da instituição.
Depois que me aposentei mudei de casa, de cidade vindo para São João da Boa Vista e não consegui retomar nenhuma atividade profissional. Resolvi pela primeira vez na vida viver com a família sem cartão de ponto e horas marcadas... Assar pães com fermento natural, criar galinhas, cuidar dos cachorros, receber os filhos no sítio, e viver com meu marido, o que sempre foi difícil enquanto trabalhava.
Durante o tempo que trabalhei, sempre fui muito atenciosa para registrar o processo, e depois de minha saída do SESI resolvi escrever um livro resgatando parte da memória dos anos que estive lá.
Entre dois Núcleos
Este livro resgata parte da memória dos Núcleos de Artes Cênicas do SESI de Vila das Mercês na capital de São Paulo e Rio Claro interior também em São Paulo, onde trabalhei por 22 anos. Julho de 1993 até julho de 2015, quando ainda contratada entrei de licença e saí definitivamente em 2016.
Escolhi para este relato, o Grupo de Múltiplas Linguagens, alunos que permaneceram por anos consecutivos, com um processo mais intenso, e pude manter um vínculo para todas nossas vidas. Através de recortes de imagens, relatos e lembranças de todos os que viveram este fabuloso sonho, a proposta é deixar esta marca que facilmente pode ser esquecida com o passar dos anos. Como disse Tiago Megale, um dos alunos de Rio Claro, “Quero ter o prazer de sentar com meu filho, folhear nossa memória e contar um pouco de tudo que vivemos”.
SOBRE CLÁUDIA SCHURMANN
Formada em Licenciatura Plena em Educação Artística pela FAAP -Fundação Armando Álvares Penteado. Entre 1987 e 1988 trabalhou na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e entre 1988 e 1989 na Secretaria do Estado do Menor- Circo escola Grajaú e de 1993 a 2016 no SESI em SP como orientadora dos Núcleos de Artes Cênicas.
12. É A MELHOR COISA DA VIDA! OU CADÊ A ARTISTA QUE ESTAVA AQUI?
Juliana Pina
Preciso dizer: - É mesmo a melhor coisa da vida!
Antes de ser mãe pensava que as melhores coisas da vida eram o strogonoff de camarão da minha mãe ou a aprovação tão esperada de um determinado trabalho. Mas depois que você tem um filhotinho (nossa!) você se torna de fato um adulto funcional ou um cyborg (ainda estou em pesquisa).
Você cria uma coragem imensa e um senso de otimizar o pouco tempo que existe entre as mamadas e os cuidados com o bebê, que acaba se tornando uma profissional em administração de segundos.
Sem contar no poder da doação, de cuidados, madrugadas, saídas, trabalhos, relacionamentos, tudo. É muita doação.
Mas vale lembrar que cada gargalhada dada por ele após você enviar um beijo bem estralado ou após alguns minutos rolando com ele em seu tapetinho seguido por massagens fazedoras de cócegas em suas costas, são atitudes que recarregam um pouco daquelas horas já não dormidas há meses.
A família ganha contorno, assim como Winnicott diz que o bebê ganha contorno ao longo dos meses entendendo que ele não é a mãe, a família também ganha sentido e raiz entendendo que agora há um novo membro pertencente àquele núcleo, dando à ele um novo contorno, com cores diversas e vibrantes.
Aqui em casa agora somos três e não existe nada mais importante que a nossa família, o nosso bem estar e as gargalhadas do nosso filhote no meio da cozinha numa tarde qualquer. É isso que a gente leva da vida, as “pequenezas”, as “bobagens” cotidianas que na verdade são verdadeiros baús de tesouros escondidos no tempo-espaço.
Tudo muda, é verdade. Eu já disse isso zilhões de vezes, mas criar um serzinho que você desejou e gerou é a coisa mais bela que eu já fiz nessa vida.
É raiz, é onda e é transbordante!
Eu amo a minha carreira e a minha vida profissional, mas fazer um bolo e ficar em casa cuidando e alimentando o meu filhote que cresce a cada dia é uma experiência que eleva a minha existência nessa Terra e transforma a minha alma.
● - Mas cadê a artista que estava aqui? Àquela que subia no palco, ficava em frente às câmeras, lia livros, ia ao teatro, ao cinema… cadê?
● - Calma Juliana. Respira.
O tempo passa depressa, eu escuto isso a toda hora, eu o vejo no meu filho, eu pari o tempo!
Então pra que brigar com ele?
Se viver é tão passageiro, então, que possamos aproveitar cada janelinha dessa locomotiva.
OBS: Com amor (e olheiras) para o meu Ben.
SOBRE JULIANA PINA
Juliana Pina é Bacharel em Artes da Cena, Atriz e Mãe de Benício
13.Memórias-Esquecidas
Matheus Almeida
É um projeto que propõe unir 5 pequenos textos e ilustrá-los, usando gramáticas de direção teatral como provocações para a ilustradora. A partir da amálgama de imaginários desses dois artistas (Matheus Almeida e Leticia Bruni) serão desenvolvidas foto-performances.
Os capítulos são:
- Amanheceu Menino Fruta
- Ilha no céu
- A Cozinheira e a Mãe
- Maria Lúcia e Luís Tão-Doce
- O Velho que Correu o mundo
SOBRE MATHEUS ALMEIDA
23 anos, Artista que tem caos e poesia no centro de seus processos criativos. Formado no bacharelado do Célia Helena, agora se especializa em direção e atuação na mesma instituição. Muito afetado pelo indizível, pelo erro e o ordinário.
14.Gabriela Alcofra
Saudade de quando a carne era corpo é um solo de dança-teatro, realizado por Gabriela Alcofra, em parceria com Daniel Conti. Seu universo temático aborda as violências contra a mulher, em uma perspectiva histórica, olhando para os inúmeros abusos e assédios realizados contra elas ao longo dos tempos, em ambientes familiares e sociais. Gabriela busca trazer passado, presente e futuro, encarnada em uma mulher que olha para traumas(recentes e históricos), marcados na pele. Utiliza a pele e as palavras como motes de criação de sua movimentação. Buscando um caminho não-explícito dos abusos, o solo aborda a fronteira entre memórias, realidade e ficção, para falar tanto das narrativas construídas sobre uma mulher, como quanto a ficção como estratégia de sobrevivência para reconstruir um passado traumático. A criação, ainda em processo, é pautada na experimentação do recurso de audiodescrição como caminho de composição dramatúrgica que se desdobra em roteiro, rubrica, imagens, poesia e trilha sonora.
SOBRE GABRIELA ALCOFRA
Gabriela Alcofra é artista independente, pesquisadora e mãe. Desde 2012 desenvolve trabalhos autorais na fronteira entre a dança, o teatro e a poesia. As temáticas que a atravessam são inquietações sobre o humano e suas relações, tendo como foco as relações de gênero e o ser mulher na sociedade. É apaixonada pelo movimento e pelas palavras, assim como tudo que provoca paixões. Gosta de instigar no outro o desejo de mover e aprecia a diversidade que cada um tem em seu corpo e sua história. É professora da Escola Superior de Artes Célia Helena, na graduação e no Mestrado Profissional.
15. Seguimos
Leila de Noce
O amanhã parece estar chegando, cada dia um cadim mais próximo. Posso sonhar acordada o quanto eu quiser. Ele virá e por isso pode ser tudo. E eu, aqui, vou vendo tudo, me atentando aos cantos, aos peitos aflitos e choros inundados de alegria. Vejo o tempo parar cada vez que os detalhes tomam vida. Pequenezas contadas num suspiro. É isso tudo que vejo hoje. As coisas aqui dentro mexem e as de fora respondem! Como? Toda vez que é manhã aqui dentro, a lua do lado de fora me responde. Ando entendendo-me como minúscula partícula, com importância ínfima. E que delícia. Se de nada valho, tudo posso ser. Ufa! Como é bom respirar esse ar refrescante. O prazer de querer o que há nessa vida... O amanhã anda vindo, cada vez mais próximo. Olho pra frente com olhos marejados. Na próxima gargalhada, tenho certeza que essas lágrimas caem. A mágoa sempre tem dias contados.
SOBRE LEILA DE NOCE:
Amante do carnaval, de dançar sempre e em qualquer lugar, de uma boa mesa de bar com conversas infinitas e cerveja gelada, Leila é gente de teatro e das artes todas. Crente da dança como forma de girar o mundo, é fascinada pela educação e professora de Teatro na educação infantil e ensino fundamental (anos iniciais e também finais). Tem como sonho conhecer toda a América Latina e nadar em diferentes mares. Além disso, é integrante do NPP desde 2017.
16. Transposições poéticas
Sonia de Azevedo
Escrever durante a pandemia, escrever entre as paredes de um pequeno apartamento e suas janelas dando para praças, árvores e outros apartamentos onde a vida se movia como a minha: estranhamente. Compartilhar com um parceiro de escrita distante (Jean) dias, momentos, pensamentos, lembranças e saudades. Dividir ansiedade e medo, esperança e dúvida de se haveria algum futuro, pensando junto, desejando o fim do pesadelo, querendo tanto um mundo melhor para todos. Os livros estão aí; são conversas de verão, de outono, inverno e primavera. Com eles nasce uma nova coleção “Estações” com livros escritos quase como segredos contados entre dois autores, sem nenhum outro leitor, exceto nós mesmos. Escrever a partir dos cortes na pele, da dor, do desejo e da alegria deixando a vida escorrer nas letras e nas pausas com pontos ou sem nenhuma pontuação. Deixar que a vida vivida escorra como rio a caminho do mar e finalmente talvez conseguir chegar ao mar, mas não sozinha. Nunca .
SOBRE SONIA DE AZEVEDO
Coleciono momentos felizes. Não. Momentos bonitos. Lembranças de um rosto, um sorriso largo, uns olhos brilhando de alguém que passa numa rua qualquer ou me olha num vagão cheio do metrô. Leio o mundo. Converso com ele todo o tempo da minha vida; desde pequena fui assim: contemplo o mundo. E escrevo. Cuido dele a meu modo; escrever é a maneira que encontro de fazer justiça, eu, que sigo sempre imaginando um lugar onde se possa viver com dignidade, amor e alegria. Fui criada por pai e mãe amorosos numa pequena cidade do interior do estado chamada Cerquilho e tive uma infância segura e selvagem, ao mesmo tempo. Tenho setenta e dois anos e acima de tudo sou mãe e avó. E amo o mar. Profundamente amo o mar. Escritora, professora, pesquisadora das artes da presença; mãe de Frederico, Felipe e Amilton, sogra de Carol e avó de Catharina, Gabriel, Felipe e Isabela.
Para acessar o currículo completo
https://lattes.cnpq.br/1405528811552078
REGISTROS DE AFETOS MARCADOS NO CORPO
Essa é uma história que se escreve tecida no tempo das lembranças quando, propositalmente quis resgatar o que ficou em mim após esses quase dez anos de trabalho intenso. Os que nos acompanharam por pouco ou por muito tempo sabem de que falo, falo do que realmente importa, do que faz sentido, do que não será nunca esquecido porque mora em nós, no que somos, no que somos nós.
Era uma vez uma ideia. Como acontece com todas elas, especialmente com as melhores, ficava me perseguindo nas horas mais improváveis: o que eu gostaria de pesquisar agora, depois de tanto estudo e tanta prática de corpo, depois de um doutorado do que muito me orgulhava e ainda me orgulha? Qual era minha pergunta, enfim?
Uma vez, ainda adolescente assisti um espetáculo e Dina Sfat, que eu não conhecia, olhou pra mim. E esse olhar, a presença dessa atriz gigante enfeitiçou os meus dias...foi assim que decidi fazer teatro. Isso aconteceu no Teatro de Arena. Anos mais tarde, ensaiando um espetáculo chamado Bardo no mesmo palco ela me acompanhava com seu sorriso largo e seus olhos enormes. Sempre me acompanhará.
Então eu, após mais de quarenta anos, decidi investigar a presença do ator em cena, dessa vez em companhia de muitas pessoas pesquisadoras; pesquisar essa magia, essa carne, isso que nos penetra, demolindo certezas, criando sonhos e transformando o dia a dia num evento extraordinário. Isso que Dina me mostrou ser possível, ser o fundamental, me parecia o mais importante a conhecer/reconhecer em mim e, sobretudo observar esse acontecimento misterioso e fascinante manifestando-se no corpo dos participantes do núcleo recém criado. De todos os modos, isso continua assim ao longo dos anos. Investigamos, observamos, experimentamos, escutamos, percebemos, imaginamos e agimos; sonhamos e realizamos.
A ESCH me autorizou então a criar o Núcleo de Pesquisa da Presença-NPP. Eu não tinha planos, eu apenas queria pessoas comigo interessadas na pesquisa em artes para essa viagem longa ou curta, ou apenas um passeio, por lugares diversos da realidade por onde nossos corpos-eu transitavam em busca de comunicação com o mundo.
Assim começamos: a escola me deu uma sala de trabalho uma tarde por semana, eu divulguei nas aulas essa proposta e logo consegui alguns alunos, que foram os pioneiros. Ficou desde cedo claro que no núcleo a pesquisa se desenvolveria a partir e através de nossos corpos, tendo sempre Laban como chão e como horizonte. Ainda é assim, embora não tenha existido nenhum dia de trabalho igual ao outro.
Mesmo não tendo nenhum objetivo espetacular sempre tornamos públicos nossos processos, ano após ano. E, sim, esses experimentos só teriam sentido no encontro com o olhar do outro, do viajante que chega e se abriga, como um forasteiro, na nossa casa com todas as portas e janelas abertas, o público. De fato o que fazíamos era um evento momentâneo, nunca experimentado, mesmo por nós; nunca ensaiado. Fazíamos e seguimos fazendo até 2019 performances, algumas que eu poderia chamar de teatro performático porque admitiam a repetição, embora nunca da mesma forma.
Houve momentos de estranhamento, como certa vez em que mergulhamos em nossas experiências sensoriais de infância. Tenho tantas imagens dessa tarde. Não havia divisão palco platéia e um perfume de mixirica corria o ar enquanto um bebê chorava num vídeo projetado em algum canto da sala. Vi rostos incrédulos, professores olhando o relógio...pessoas saindo sorrateiras.
Nossa questão, talvez no início, mais minha do que deles: observar os absolutamente únicos processos de criar de cada participante, como estimulá-los, como facilitá-los? Como não julgá-los jamais?
De onde, por onde, como os impulsos se presentificam? Como o que era antes imaginário, invisível, inconcebido toma forma, de repente ou de mansinho vai nascendo num gesto nunca antes realizado, num canto, num gemido, numa correria louca pela sala. Como, para cada um de nós, o instante vivido se torna material, visível e intenso?
Imagino o velho Laban, amigo que não conheci, sorrindo...seu bigode como o do meu pai. E pensando: isso é exatamente impulso/forma. Sim. Dar à luz aos impulsos que se movem no invisível de nós, nem por isso menos urgentes. E escutar esse processo que desliza rumo ao mundo exterior, exatamente como nascer. Escutar em si, escutar no outro, em todos os outros. Escutar com fascínio porque viver é fascinante demais.
Correm os anos, pessoas tão lindas e queridas por aqui passaram deixando suas marcas, rastros, pegadas...em tudo que nos mostraram de si mesmas como presentes inesquecíveis. Podemos recuperar imagens, depoimentos, textos, mas o que fica dentro de nós é vida e arte misturadas com alegria em plena liberdade. E, com certeza, a grande história vivida está com cada uma delas, irreproduzível e secreta. E seguirá assim.
O manifesto hoje proposto neste site pretende tratar do momento em que a pandemia chegou e nos trancamos em nossas casas longe uns dos outros. Disso falarão alguns/algumas de nós que assim o desejarem e como o desejarem, porque o NPP é um coletivo (e sempre o foi) composto de individualidades interessadas em algum tipo de mergulho: algumas pessoas sairão do cais em seus pequenos barcos, outras irão mergulhar em baías tranquilas de mar calmo, outras ainda mergulharão em mares revoltos, em grandes profundidades, em apnéia. Cada um cada um. Sempre foi nosso melhor lema: cada uma cada uma a ser escutada por todes com fascinação.
Especialmente durante a pandemia não nos obrigamos a nada. Era impossível. A vida de todo dia se tornou tão...impossível. Mesmo assim não paramos e esta acabou sendo uma das experiências mais lindas que conheci e vivi. Criamos um núcleo mais libertário ainda, um núcleo à deriva. O NPP em pandemia é um núcleo à deriva.
Sonia
18/11/2021
Boiçucanga
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ESSE ESPAÇO...
... aglomerado de ideias e preenchido pelo caos critativo. Registro de um Mestrado, da criação, do entendimento, da prática. Orienta os desavisados. Educa os familiares distantes. Alivia o peito dos inconformados. Celebra os grandes Mestres - os presentes e os ausentes. Os que se foram e os que ficaram. Os que são. Que inspiram. Que respiram arte.